CAPÍTULO 3 – A ORGANIZAÇÃO DOS EDUCADORES E SUAS PROPOSTAS
Este capítulo apresenta uma pesquisa iniciada na PUC de São Paulo em 1986 e concluída na USP em 1991, intitulada “O Educador Brasileiro e a Luta pela sua Organização: suas entidades, suas propostas, sua participação na construção de educação democrática, autonomia, pluralidade e distância de formação.”
Na primeira parte, os pesquisadores apresentam um panorama histórico de grupos que se organizaram em 1924 e após 1964 para discutir os rumos da educação. Contudo, já nessa seção, evidencia-se um equívoco: pesquisas conduzidas sem um compromisso antirracista diante da eugenia que permeava o que eles denominam “educação democrática”.
Por exemplo, citam que em 1924 surgem as primeiras ações da ABE (Associação Brasileira de Educação). Entretanto, esquecem que, nesse mesmo período, existia um planejamento eugenista no Brasil, liderado por nomes influentes como Rui Barbosa e Monteiro Lobato. Essas políticas, embora chamadas democráticas, não abrangiam a população negra e indígena — a maioria do país — e direcionavam a educação ao embranquecimento ideológico, uma lógica que persiste até hoje.
Outros exemplos citados pela pesquisa são as diversas siglas que surgiram durante o golpe militar de 1964, para discutir as diretrizes da educação no pós-64. Aqui, novamente, evidencia-se a falta de responsabilidade em relação à política antirracista. Apesar de o título da pesquisa mencionar pluralidade, não há referência aos movimentos negros que se fortaleceram nesse período, como o TEN (Teatro Experimental do Negro), criado pelo professor Abdias do Nascimento, que defendia uma educação afrocentrada em pleno contexto eugênico.
Também é ignorado que as bases das reformas educacionais pós-64 se apoiavam na chamada “teoria do milagre grego”, cujo objetivo era europeizar e embranquecer a população brasileira, predominantemente negra. Prova disso é que somente em 2003 e 2006, mais de cem anos após a abolição, tornou-se obrigatório o ensino da história da África e dos povos indígenas na educação pública formal — temas ainda negligenciados nas diversas conferências educacionais do país.
No ponto 3, a pesquisa apresenta as associações que se mobilizaram e suas reivindicações pela educação brasileira. Mais uma vez, nota-se a ausência de interesse pelas políticas desenvolvidas pelos grupos de organização da população negra no Brasil. Organizações como o TEN e os jornais negros do início do século XX demonstravam engajamento e ação na construção de uma educação realmente democrática e antirracista.
Jerry Davila, em Diploma de Brancura: Política Social e Racial no Brasil (1917-1945), publicada em 2006, oferece uma análise comprometida da correlação entre raça, nacionalismo e eugenia nas políticas educacionais brasileiras, mostrando como estas se fundamentavam nas teses eugênicas e na ideia de “curar” a população através de um diploma de brancura. Segundo Davila:
“Para os educadores brasileiros e sua geração intelectual, raça não é um fator biológico, era uma metáfora que se acompanhava para descrever o passado, o presente e o futuro da nação brasileira. A negritude era tratada em linguagem freudiana como primitiva, prelógica e infantil” (Davila, 2006, p. 25).
A educadora Célia Aparecida Rocha, no texto A Ressignificação da Eugenia na Educação, 1946-1970: um estudo sobre a construção do discurso eugênico na formação docente (2010), complementa:
“Para a inserção da eugenia na educação no período pós-guerra, foi preciso ressignificá-la anexando predicativos positivos com base na moral cristã, nos direitos humanos e na saúde individual. Nesse processo, foi importante representá-la como ciência purgada do extremismo nazista, racista e classista. Tal ressignificação procurava desautorizar sua aplicação de modo negativo (aborto, esterilização e extermínio) e incrementar sua imagem positiva de ciência apoiada no campo da neutralidade científica, desvinculando-a dos fundamentos da eugenia extremada” (Rocha, 2010, pp. 443-444).
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