segunda-feira, 6 de agosto de 2018

DEPOIS DESTE VIRÃO MAIS POEMAS DEPRESSIVOS, LAMENTO!

Ópios e delírios
pela manhã e
no final do dia.
Me desligar deste mundo.
Não ouvir sua voz.
Ser todo silêncio.
O momento exato
que a droga faz efeito.
Quero torpo
a perda da consciência.
Ser um daqueles que
não voltaram.
Ou uma overdose mortal.

Eu quero um rifle
para abrir um buraco
na minha cabeça
do tamanho do meu vazio
existencial.

Tenho dúvidas
se a vida será justa
comigo.
Quero me ver livre
dessa máquina incessante
de pensamentos e
pairar no nada.

Eu fico esperando
um dia que
nunca acontecerá.

E me sinto
um inútil
todos os dias da minha vida.

Aqui agora
neste quarto sofro
com a vergonha
e sei que não consigo
fugir da minha
própria consciência.
Quero voltar
e existir apenas
no instante:
em que jogo vôlei numa praça.
mergulho a cabeça no Xingu.
escuto que me amam.

Penso em recolhimento
e evitar relações.
Controlar o apego.
Perder a intensidade.
Se tornar fútil.

Me perder.

Existe uma regra
no jogo do relacionamentos
que cita meu nome
e diz:
"evite brincar com ele;
consulte pessoas anteriores;"
E eles dirão:
- Você sabe,
todo mundo tem
problemas com o Rafael.

E me sinto um perigo.
E me mantenho longe
do jogo.
Hoje quando comprei maconha
pela manhã,
quem me atendeu foi uma criança.
Se mostrou muito profissional
poucas palavras, recebeu meu 
dinheiro e me entregou 
a trouxinha.

Caminhei chapado por horas
me perguntando como 
chegamos aquilo?

Uma rede de exclusão,
que foi criada para matar
certa parcela da população
que na TV sempre aparenta 
ser perigosa, serviçal.

Vivemos à beira,
sem eira,
fazemos coisas que não
queríamos,
na maioria da vezes.
Um dia fui eu,
hoje é ele, 
e se não fizermos nada
serão ainda muitos
de nós.

Uma hora o efeito passará
e então eu o encontrarei 
novamente 
e tudo se parecerá 
se repetir.
O TRAUMA DO POETA*

Eu queria realmente saber
a função da minha existência
se não posso ter essa 
experiência.

Eu era apenas um garoto
quando tudo aconteceu.
Ela havia descoberto minha
paixão pela sua filha.

Escondido atrás de uma porta
eu à via rindo enquanto
contava como tudo aconteceu
e como eu era ingênuo por
ser uma criança.

E até hoje essa criança
mora aqui dentro.
E não sei mais o que fazer 
com ela.
Ela se esconde por trás da
ingenuidade e da bondade
por qual fui doutrinado.

E hoje odeio tudo isso!

Me enchi de desenhos
pelo corpo esperando
que mudasse meu jeito.
Mas o que está por dentro
ficou preso naquele momento
em que eu vi meu sentimento 
sendo ironizando, como
só sendo um idiota mesmo
para está amando alguém
no mundo.

Hoje não consigo me 
aproximar de ninguém 
sem lembrar da exposição
da rejeição que aquele momento
e das piadas e das conversas
que não ouvirei sobre
como sou ingênuo.

Então permaneço atrás
da porta esperando que
todos vão embora,
e esperando que não precise 
encará-los novamente
pelo resto da minha vida
para que ninguém se
lembre deste momento.
Ela me levou ao quintal,
num canto do lado da
casinha de cachorro.

Ela estava com um 
baby-doll curto e havia
colocado o cachorro
deitado sobre seu colo.

E o acariciava.
Enquanto em pé
eu fumava meu beck.

Cada um de nós é 
um universo a ser desbravado.
É importante entender
isso desde o princípio.
Todas as noites quando deito,
eles seguram minha mão.
Carrego outros vinte loucos
comigo.
E todo dia eles me levam pra casa, depois de 
uma decepção.

O sistema cria sobreviventes 
que dormem à noite nas
calçadas da tua rua.
E você não vê.
Está preso à algo que tem medo,
que você não consegue soltar.
Você acha que não pode
fazer muita coisa
porque o sistema é mais forte que você.
Como conseguimos dormir tranquilos
sabendo as coisas que sabemos?

Outros vinte loucos que carrego comigo.
E toda noite 
quando deitamos,
eles seguram a minha mão.
E o pensamento sai do ônibus.
Louco, contemplo o temporal.
Ele encobre os grandes prédios que 
já não deliciam minhas vistas.
Todo os dias, eu quero morrer.
Mas eu acordo. Pra vida.
Pro mundo. Nunca pra mim.
Milhões de pessoas circulam 
por aí e me sinto só.
Gostaria que o poema me
salvasse só por hoje.
Então era assim, sempre 
sobrava uma caneta e um caderno.

Daria tudo para estar no ônibus dela.
Uma angústia transpassou meu coração,
como acontecia sempre que via uma garota
pela qual estava apaixonado, indo embora
na direção oposta nesse mundo.

Me sinto otário, por confiar.
Um iludido acreditando que ainda acontecerá.

Os anais estão sujos.
Cheio de histórias mal contadas.
Vamos ter que parar uns dez anos 
e todo mundo junto, analisarmos
e resolvermos todos os equívocos.

Em cada palavra, um desabafo.
Em cada rima, coração.

Faço versos ao vento.

As ruas andam por mim e 
e choro lágrimas de uma
cidade doente.

Jovens e velhos, estamos
todos fudidos. 
Você volta, eu te dibro.
Trago o beck para me 
manter protegido.
E sei que as vezes só agrido. 
26 DE JULHO DE 2009

Diante do pé jambo
eu recebi um aviso:
NÃO SUBA NAQUELE CARRO.
Eu era jovem e só
tinha dezessete, não me
dava muito bem com 
avisos.

Estávamos na Princesa do Xingu.

Então a poucos quilômetros
para chegar na cidade, 
nossa caminhonete
capota.

Uma, duas.
Dez pessoas em cima
de uma L200.
Mais outras cinco
dentro da cabine.

O tempo de duração
entre o toque das minhas
mãos e o abrir dos meus
olhos.
Não explicam o espanto
de ver aquele carro dessas
duas formas sobre mim.

Salvo por uma erosão.

Fábio cortou os dois calcanhares.
Fabiano arregaçou a cara.
Thiago quebrou o calcanhar.
Cebola quebrou o braço.
Sorrayla desmaiou.
Três meninos da Serrinha 
foram jogados para longe.
Jubileu teve escoriações leves.
E aquela noite meu pulso
haveria de triplicar de tamanho.

Éramos os piores pacientes daquele dia.
Faziamos piadas das desgraças.

Minha mãe apareceu pouco
tempo depois, demonstrando
não ter se preocupado com nada.
E nem eu e nem ela
havíamos de saber explicar
porque em um momento
eu chorei abraçado a ela.

Na ambulância 
voltando pra casa,
lembro que não cago 
há quatro dias.
Minha mãe então diz: - Farei um chá para 
desinchar sua mão.

Então digo:
- Eu preciso cagar.
*
Eu passei um mês
naquele quartinho no Centro.
Eram vários inquilinos
no mesmo lote.
Onde o senhorio mantinha
um lanche na frente.

Nós atados, colados uns nos outros.
Nós que nos juntavam nesse universo.

Todas as noites quando eu
chegava, tinha aquelas pessoas
com suas latinhas, fumando
a incontável pedra do dia.

Vi eles agindo um dia
com todos os olhos em volta,
cegos.

Por trás do portão começava
a segunda fase dos rejeitados
da sociedade, todos eles viviam
em extrema guerra de sobrevivência.
Mesmo que fosse para tomar 
só uma latinha no fim
de semana.

Quando tínhamos só manga
e tudo era esperança.
Ouço o som 
do líquidos seminais
no meio do vuco-vuco.

A cabeça do meu pau lateja.

Antigamente
nos saraus, a maioria
delas ficavam 
com as poesias de amor.
Enquanto 
ela falava de 
sua boceta.

E dava vários 
tapinhas
sobre a mesma.

Era incompreendida na maioria deles.

Volto da lembrança.

Minha cabeça lateja.

Me recolho
e conto à ela.
Ela me fala que
não participa de saraus
porque nenhum
foi no setor dela.

Antes de calçar
os sapatos,
anoto.
Lembranças ruins
não nos deixam
gozar.
Sigo com palavras aleatórias
buscando que me venha
o que quero ouvir.
Você acredita em destino,
trapaças, bolinhas de gude
e que champignon não tem
gosto de nada.
É assim, pois precisas
ouvir algumas coisas
para se sentir.

O mundo mudou para
uma selva de pedra
e fomos reduzidos a
simples figuração da
história do mundo.
Causa, verso, destino,
coisas sem nexo para
que façam sentido em mim.

Não posso fazer muitas
coisas por vocês agora,
minha mente me segura
parado pensativo
nesta cadeira velha.
O meu peito queima e
por trás você me envolve
em um abraço.
Tuas mãos me apertam
o peito e aí já é o corpo
inteiro que passa a queimar.

Minha deusa é ela
deitada sobre a grama
com seus felinos.

Adoro quando você sorri.
E no ônibus lotado você
me abraça, porque já
não tem onde segurar.
Dançávamos por entre 
os carros naquele 
congestionamento.

Penso, que ela deva estar
com um ódio muito grande
de alguém que ela gosta 
muito.

Tomava cerveja, usava psicotrópicos
e soltava incontroláveis fumaças
de seus pulmões.
Lembro que é assim mesmo.
E ninguém nos mata,
na verdade, tudo mata.
O dia-a-dia, as pessoas,
os olhares.

Não sei o quanto ela sabe fingir.
Por que ainda faz assim comigo?
SEM HORA*

Quando nos encontramos
é pau, pedra,
ainda o meio do caminho.
São as águas de Novembro
mostrando que as promessas
de fim de ano
são uma doce ilusão.

Ela está na mesma sala
que eu e não sabe
o que sinto.
Somos máquinas de problemas
com soluções ainda não
descobertas pela ciência.

Hoje quero fazer um
poema de amor,
pegar o ônibus,
passar do ponto
e entregá-lo na sua casa.
*
Você caminha lentamente
até à porta e me olha
de soslaio e por trás
do ombro esquerdo.

Teus olhos da cor do cerrado.

As canções nos diriam
coisas que não pensamos
quando acordamos.

Flores da cor do cerrado.

Os passos contados,
os corpos colados,
tua cabeça em meu peito.

Noites no cerrado,
o calor do teu abraço.
*
Bato o rádio
faço o corre.
Às 23h ninguém
é de ferro.
*
Há sempre uma dúvida
no final do dia.
Há sempre um beijo
não dado no final do dia.

No final do dia
o sol se põe e te fala,
que amanhã te dará
uma nova oportunidade.

Mas há sempre uma 
dúvida no final do dia.
*
Clichê Clichê Clichê
Clichê Clichê Clichê
Clichê Clichê Clichê
eu.
só existia
antes de vocé
tempo em que 
saudade do
que me fez sentir
Uma fase traiçoeira
e era só você e eu.
e as coisas funcionavam
e nossos olhos brilhavam
Quando tudo estava perfeito

POEMA DE BAIXO PRA CIMA*
*
Minha vida escorre
pela lateral das ruas,
assim como escorre
o papel amassado,
a embalagem,
o barquinho de papel
e a ignorância humana.

A enchurrada 
faz aquilo que não
conseguimos.

Lavar nossas almas.
HOMO CANABIS

O homem é aquilo
que fuma, que bebe,
que traga, que puxa,
prende e passa.

Vem do interior
do Centro,
Novo Mundo,
Aparecida.

É maranhense
paraense
piauiense
cearense
quem liga onde é norte 
ou nordeste?

Anda na rua,
pega carona,
dorme com medo,
com todos,
sozinho.

Vai no beco,
na bica,
no carnaval,
na cracolândia,
lá sou amigo do traficante.



* presente na Antologia Poética da Goiânia Clandestina
*
Leve meus moinhos 
que eu vesti de dragões.
Ainda guardo objetos
pertencentes a mesma
mulher.

Tire de mim esta agonia
que eu tenho todo dia,
de não ser alguém 
interessante para você.

Falei de solidão quando 
deixou a sala.

Eu de braços abertos
esperando que a luz
se acenda.
E mostre seu melhor sorriso.
O sorriso receptivo
e o abraço fraterno 
para com quem acabou 
e chegar.

Lembre-se de nós dois
abraçados
no reflexo da janela.

Leve contigo meu coração.
*
Estou cansado deste jogo.
Não quero mais jogar.
Sabe, não tenho mais
estrutura para
continuar lutando.
Estou me dando por vencido.

As vezes quero escrever,
então eu sento,
pego caneta, papel,
coração e pensamento
e nada.
Diziam que os poetas
eram as prostitutas
da arte.

Eu me pegava pensando em destino.

Minha vida é uma senhora 
com uma blusa 
escrita "lacrou".
Tardia, jovem.

E quanto mais louco 
eles ficam,
mais jogam suas artes 
nos muros.
Complexo? 
Dúvido!
A cidade pulsa nos poetas
e os poetas pulsam num grito.


*presente no zine Nuvem Passageira
Um bando de pessoas,
somente elas,
foram capazes de cagar 
toda a merda do planeta.

Eles abrem a porta
do poeta sem pedir.
Vêm pelo cheiro.
Mando-os ao inferno.

Onde eles estavam quando eu tinha somente palavras para comer?

Vão se dias a fio
com esta dor
no peito.
Que desaflora em plena lua.
Passo outra noite
sem você do lado.
O amor é um daqueles
cortes que gostamos 
de ver sangrar.

E te pega ao meio-dia
de uma quarta-feira 
seca.

Mais tarde quando 
vence o dia.
Os elementos da casualidade,
não só pelo envelhecimento
material dos objetos artísticos, como sobretudo
pelas modificações provocadas pelas convenções efêmeras.
E outras mais profundas.

Também podem nos colocar
em trilhos errados.

Conheço poucos exercícios 
tão fecundos
quanto descrever simplesmente uma pintura.
E bombardeado por 
emissoras de rádio e TV 
regidas pelo princípio 
absoluto do lucro,
você se encontra numa
situação de grande miséria.
cultural.

Cada esquina da cidade 
sabe um pouquinho 
de nós.
Lá embaixo ainda temos 
o engarrafamento diário.
O caos já não estava 
só em mim.

Para todos os povos
e para aqueles que como nós,
lutam para fugir do 
subdesenvolvimento.
*
Lá fora o trânsito avisa
a temperatura.
O Centro está pegando 
fogo.
Depois de tanto tempo 
eu te vi mais uma vez
com um cara, que
parece ser normal.
Eu vejo em seus olhos,
que o feitiço que ele fez
o doce gosto pode te matar.
Como um ritual que há 
de se repetir para sempre.
As pessoas enchem o 
Centro e esvaziam a 
si mesmas em busca 
de algo que as satisfaça.
Quantas vezes preferimos 
tomar no cu, para não 
fazer outras merdas.
Procuro uma musa
para um poema,
mas que seja muito
além das letras.
Ainda se ouve a agonia
dos grandes poetas,
longe do grande Centro,
mesmo enquanto, todo
o resto estampa folders
e propagandas de casas noturnas da área burguesa 
da cidade.
Eram tempos que o fim
do mundo era todo dia.
Tempos em que a poesia 
não tinha palco,
não esperava por títulos.
Goiânia ainda era um Novo Mundo
e Altamira era a amada.
O NASCIMENTO DO POETA

Naqueles dias, Tupã, enviou Cunhaporã até uma cidade próxima a Belém.
Lá ela encontrou uma mulher chamada Maria para que fosse cumprida a promessa que foi escrita.
Maria era casada com um homem chamado Sebastião, com o qual já tinha cinco filhos.
Então, Cunhaporã disse: - Maria, você dará a luz a mais um filho.
Achando esta louca por ver uma índia tão linda, Maria demora aceitar a intrusa em seu quarto. - Eu já tenho cinco para que mais um? Já passei dos quarenta! - Tupã me enviou para fosse comprido o que foi dito. "uma mulher chamada Maria dará a luz a ser que mudará todo o mundo." - disse a bela índia .- E você é a escolhida.
Ainda sem entender, Maria então, sente em seu ventre o os batimentos de uma nova criança. E assim, vem se cumprido o que Cunhaporã disse, mas ainda não conseguimos enxergar o seu fim.



PS: Texto n'ao finalizado. 
*
Zombas de mim,
como alguém que tem
todo o controle da situação, 
ou não. 
Me pega nas mentiras
e me mostra que sempre
pensei errado,
mudei minha opinião. 
Um gato velho de rua
parado bem na porta
da tua casa.

Zombas de mim,
o teu sorriso zombas de mim.
E me torno idiota, pois
parei nele e num segundo
fiz poesia.
O corpo viaja
cerca de trinta vezes
por dia.

Diante de um
belo estofado
feito de pedras.

Na rua não existe luxo.

Jogar bets
fumando beck
para sair da bad. 
Corpos estranhos
que se encontram no
meio do estalo
da madeira.

Quero ver sua
desenvoltura. 
Outro dia,
éramos nós que
estávamos por cima
da carne seca.
Ele chegou com aquele papo
dizendo que de todos eu era
o melhor.
"Você escreve o que a gente quer, cara."
Ele não sabe que estes poemas 
surgem de uma carga pesada de sentimentos. 
E que de todas as partes do poema, 
é a que mais me fere.
Os poetas não vencem,
se vendem. 
A todo custo ou
uma aceitação. 
Não há apelo,
nem peito que me faça
acreditar que um dia 
possa mudar.
O dia terá outro fim.
E o vento traz uma 
lembrança tua.
Abro os olhos e o 
vento passa.
Mate-me 
quando dobrares
a esquina.
Lembre-se de
nós dois abraçados
no reflexo da janela.
Eu já não era eu,
nunca fui.
Me tiraram a poesia
e me deixaram
com a palavra presa
na garganta.

terça-feira, 20 de março de 2018


Biqueira*

Eu sou tudo.
Eles dizem que sou nada.
Que vou ser nada.
À parte disso, boicotaram todos os meus sonhos.

Janelas do meu barraco.
Do meu barraco de um do milhões que você só imaginou
( E se pudesse ver, o que veria? )
Dais para o mistério de uma rua feita de pontes cruzadas constantemente
                                                                              [por sonhos esquecidos,
Para uma rua inacessível a nenhuma pavimentação,
Longe, impossivelmente longe, esquecida, desconhecidamente esquecida,
Com o cheiro do esgoto por baixo das pontes e palafitas.
Com a chuva a por umidade nas paredes e o povo em abrigos,
Com o Governo a nos prometer fundo e nós tomando na cara.

Estou hoje chapado, como se fumasse para esquecer.
Estou hoje lúcido, como se não tivesse fumado,
E tivesse problemas para resolver,
Senão uma loucura, tornando-se este barraco e este lado da ponte
O point onde bonde cola, e o corre começa
Fritando minha cabeça,
E o papel sacudindo meus nervos e rangendo meu dentes.
Estou hoje cansado, como quem trabalhou, estudou e bebeu.
Estou hoje dividido, entre a lealdade que devo 
À Biqueira do outro lado da rua, como coisa preocupante por fora,
E à questão do traficante ser meu amigo de infância como coisa salvadora
                                                                                                    [por dentro.

Tentei de tudo.
Como não tinha ensino, talvez tudo fosse equivocado.
A aprendizagem que me deram,
Foi sucateada desde o começo
Fui até a escola com grandes propósitos.
Mas lá só encontrei opressão e preconceito.
E quando percebi, já havia sido expulso.
Saio da janela e sento no sofá. Começo a viajar!

O que serei eu, eu que nada tenho?
Ser o que quero? Mas quero tanta coisa!
E há tanto que querem tantas coisas que não há tantas coisas para se querer
                                                                                                             [assim!
Esforço? Neste momento
Milhões de trabalhadores saem ao sol com sonhos simples como o meu.
E o sistema não poupará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá aposentadoria e nem ajuda para o pão.
Não, não creio no governo.
Em todo resto do mundo já se fala sobre a importância do programas sociais.
E eu que vi minha mãe comprando coisas com o Bolsa Família, vou ser hipócrita?
Não, não creio em mim.
Em quantas palafitas e favelas
Não estão nessa hora jovens como eu, sonhando.
Quanto sonhos honestos e sinceros -
Sim, verdadeiramente honestos e sinceros -,
E quem sabe realizáveis.
Verão a luz do sol real traduzido pelo ouvido da gente?
O mundo nasceu para conquistarmos
E não para no diminuir.
Tenho sonhado mais do que Luther King, sonhou.
Tenho apertado ao peito mais humanidades do que Mandela.
Tenho feito filosofias em segredo que nem Mbembe escreveu.
Mas sou, e talvez sempre serei, o maconheiro.
Ainda que mantenha a lucidez.
Serei sempre o vagabundo.
O que usava drogas.
Serei sempre o que pegou a última grana e comprou de brau.

E foi se divertir no chorinho.
Mandar uns free com os moleques.
Crer em mim? Não, em nada.
Derramo a 29 ardente sobre a garganta.
O seu pó, sua bala, o papel que se encontra debaixo da língua.
E o resto que seja usado com prudência para não ter overdose, se tiver, morremos
                                                                                                                        [fritos.
Escravos do Sistema.
Sonhamos com o mundo antes de nos levantar da cama.
Mas acordamos e ainda é escuro,
Levantamos-nos e temos que enfrentar ônibus cheio,
Saímos de casa e a violência do Estado nos rodeia.
Nos ônibus, nas filas, nos impostos.

(Drope um doce, pequena
 Drope um doce!
 Olha que não há viagem mais interior que essa.
 Olha que nenhuma religião te conectara com você mesmo, mais do que as drogas.
 Drope, pequena suja, drope!
 Pudesse eu ter dropado com a mesma idade com que dropas.
 Mais foi tarde, só aos dezenove tive minha primeira viagem.)

Mais ao menos ficam as lembranças
A loucura de escrever tudo isso aqui,
Algo que parecia impossível.
Mas ao menos consagro minha poesia ao meus,
Que muitas vezes foram esquecidos por padrões seus.

(Tu que persegues, que não tem argumento e por isso persegues,
  Ou filósofo grego branco, concebido como grande pensador.
  Ou gládio romano, impossivelmente herói.
  Ou grande Cabral, descobridor de nossas terras.
  Ou princesa abolicionista, feita de equívocos.
  Ou ditadura militar do tempo dos nosso pais.
  Ou um bolsominion moderno - não concebo outro termo -
  Tudo isso, seja o que for, se pode ser
  Não seja!
  Meu coração é um balde de sonhos.
  Como meus antepassados eu canto,
  Com saudades da terra amada.
  Chego a janela e vejo outras palafitas.
  Vejo as tábuas velhas, as pontes quebradas,
  Vejo as crianças tomando banho na água suja,
  Vejo os cães que latem
  E tudo parece simples.
  E tudo é equivocado, como tudo.)

Roubei, amei e até trafiquei,
E hoje não há universitário que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um a hipocrisia e a mesquinhez e o privilégio,
E penso: talvez nunca roubaram, nem amaram, nem traficaram.
(Porque é possível fazer tudo isso sem querer fazer nada disso.)
Talvez tenha acontecido apenas, como a polícia apreendendo armas.
E o que é a polícia, se não a própria fornecedora.

Fiz de mim o que deu.
E o que deu, estou satisfeito.
A roupa que visto é largada.
Conheceram-me como delinquente e não desmenti e perdi-me.
Quando fui pego.
Estava em uma cela,
Rodeado de bandidos, chapados
Com o beck que tinha bolado.
Dormi num canto com outros vinte
Numa cela pequena.
E vou escrever está história para provar que eles existem.

Essência crucial desse governo corrupto,
Quem me dera poder salvar toda a quebrada,
E não ficasse sempre na Biqueira da frente.
Fumando beck todo dia,
Como um rastafári fervoroso,
Ou um cracudo que todos rejeitam.

Mas o Dono da Biqueira chegou.
Olho-o como se fosse a última vez.
E o desconforto de perder o salve.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele de troca de tiros, eu de bala perdida.
A certa altura, mataram todos os que conhecemos.
Depois derrubarão todas as palafitas que moramos.
E as gírias que usávamos.

Sempre um de frente por outro.
Sempre erra e nunca com razão.
Sempre tão inútil quanto o outro.
Sempre tão excluído como a imagem que lhe representa na televisão.

Mais um menino chegou a Biqueira (para comprar pedra?)
E a realidade é escancarada em minha cara.
Levanto desacreditando no que vejo
E resolvo registrar em verso o que vocês não acreditariam.

Bolo um beck e penso no que escrever
E sinto o gosto leve sem amônia,
Contemplo a fumaça, a viajar
E chapo, num momento único,
A calma de todas as ansiedades.
E a consciência de que o sistema permanece em consequência da nossa passividade.

Deito-me no sofá.
E ainda fumo o baseado.
Enquanto existir maconha, continuarei queimando.

(Se eu casasse com a filha da vizinha
 Talvez já tivesse um filho.)
Viajo e levanto do sofá. Vou à janela.
O menino saiu da Biqueira (entocando as drogas dentro da bermuda?)
Eu o conheço: o chamam de Sombra sem saberem seu nome.
( O Dono da Biqueira me olha.)
Me olha como se não falasse nada.
Então gritei-lhe, ó menino!, e a Blazer preta
Passou veloz e sem vê-lo e o Dono da Biqueira correu.


Rafael Vaz.


















CAROL

 Você vai me dizer que eu não sei cantar. Talvez tudo tenha  que um dia se mostrar. Tua vida se encontrou com a minha, em plena  multidão, v...