quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 


Argyreia: O Homem-Gato e o problema das máscaras.



O Fantástico se define como uma percepção particular de acontecimentos estranhos”                              (TODOROV, 1992: 100)


O Dicionário de Oxford em sua versão eletrônica define fantástico da seguinte forma, “1. aquilo que só existe na imaginação, na fantasia; 2. caráter caprichoso, extravagante; 3. o fora do comum; extraordinário, prodigioso; 4. o que não tem nenhuma veracidade; falso, inventado” (OXFORD, Dicionário eletrônico da língua portuguesa, 2022). Já Tzetan Todorov, em Introdução à literatura fantástica (1992), define o Fantástico como sendo “a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1992: 31). 

Refletindo sobre todas as categorias estudadas e conhecendo-as, percebi que suas variações com o tempo me interessavam muito além das ideias de Kant de criar um estatuto para o que era belo. O belo, o feio e o sublime já haviam me possuído e sido condensados e diante de um século digital mudado toda minha estética. Quando soube das teorias de Todorov e as concepções do que seria fantástico, abre em mim um espaço para imaginar, refletir e recriar um ambiente onde o colonialismo ainda existente não perpetue sobre nossa educação, onde a linha do tempo de estudos nos leve sempre a um passado criado pelo colonizador. Um sonho fantástico como o dos surrealistas, que sonhavam em não olharem para a realidade de um mundo em guerra. 

Mesmo não aceitando o título, Frida Kahlo um nome muito lembrado quando se fala de surrealistas, buscava nas imagens fantásticas a representação para sua própria realidade, seus quadros dotados de grande números de autorretratos, trazia uma simbologia carregada que faziam parte do cotidiano de Frida, aí sua negação quanto a crítica de que pintava sonhos. Como o caso da pintura “Hospital Henry Ford” de 1932, onde Frida pinta sobre o aborto de seu segundo filho, onde se retrata de forma vulnerável ainda com a barriga inchada da gravidez e sangrando, enquanto por fitas vermelhas seguram símbolos de outras agruras que lhe não permitiram realizar o desejo de ser mãe. 

Título: Hospital Henry Ford, Frida Kahlo, 1932


Tomando forma sobre as ideias apresentadas e as referências buscadas, comecei a preencher com algum trabalho as linhas nas quais Todorov, classifica através de três condições obrigatórias para um narrativa se tornar fantástica. 

“Primeiro, é preciso que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, esta hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem; desta forma o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontra-se representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a personagem. Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”. Estas três condições não têm valor igual. A primeira e a terceira constituem verdadeiramente o gênero; a segunda pode não ser satisfeita.” (TODOROV, 1992: 39).


Passados os testes e as ideias que me perpassa, busquei em um gosto particular por quadrinho de super-heróis uma inspiração para esse fantástico. Levando em consideração que os conceitos do que é fantástico mudou após os estudos de Todorov, os quadrinhos são uma prova da primeira característica que Todorov  menciona como obrigatória para a criação da narrativa fantástica e como avalio diante do quadro de Frida, quando a mesma se põe como protagonista de sua história e nos aproxima da hesitação. Momento perene para Todorov, já que este existe apenas no momento da dúvida diante do natural e do sobrenatural. Vejamos a obra:


Argyreia: O Homem-Gato e o problema das máscaras, Rafael Vaz, 2022


Nesta obra, temos em um fundo verde liso, a semente de Argyreia Nervosa, conhecida por suas propriedades alucinógenas, é o plano de fundo para uma viagem interior e fantástica, seja de autoconhecimento, ou de criações fantásticas criadas pelas experiências de vida. E a história que nos é apresentada pela distribuição de elementos, nos conta sobre o Homem-Gato, um auto retrato poético, sobre a personalidade e a influência. Ao me despir no desenho proponho uma aproximação com que vê, em busca de seu sentimento mais íntimo, escondido muitas vezes sobre as  máscaras, personagens cotidianos que criamos para o convívio com os outros. Me representar nu é desafio, o sexo a mostra concebe outras avaliações a cerca de sua serventia no trabalho, assim como a escolha pelo pênis ereto em exposição ao assunto. O herói não tem vida particular, suas relações são afetadas pelo seu compromisso com sua função com a sociedade. E se distancia cada vez mais.   A grande dúvida do herói é saber como será quando não desejar usar a máscara, quando lhe deixarem se aquilo que realmente é. Ainda estão presentes na composição, a máscara, que imita o animal escolhido como influência. Homem-Gato, vai além da explicação que diz ser o homem belo, bem apessoado, mas da característica felina de independência, ariscos e muitas vezes solitária. O Homem-Gato, perambula furtivo pelas ruas da cidades, recebendo e dando carinho, passando sem poder ficar. Escalando prédios e deixando sua marca, suas garras são as armas letais que carregam. Mas o Homem- Gato é vulnerável, e ele não mostra, afinal sua virilidade heróica não deve ser mencionada, e menos ainda intencionada. A dúvida leva a morte, a corda em nó de forca nos evidencia isso. O Homem-Gato passa dias a encará-la, tirando da presença da morte provocada por si mesmo, as forças para continuar. 

O próprio homem por trás da máscara é o seu arqui vilão, aquele capaz de acabar com seus sonhos e desejos, o ser que impulsiona seu falo como forma de poder e presença, domínio e força. Só a mente racional com que vê o mundo é capaz de mantê-lo lúcido diante da ideia de sair fantasiado dessa forma pelos becos da cidade.


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